23/09/2008

Memórias de Maradona: Parte 1


O Inicio

Sabem de onde venho? Sabem como começou esta história? Eu queria jogar, mas não sabia… Não tinha a mínima ideia. Comecei como defesa. Sempre gostei e ainda me seduz jogar a libero, mesmo agora que mal me deixam tocar na bola porque têm medo que o meu coração expluda. A libero vemos tudo da retaguarda, o campo inteiro está diante nós, temos a bola e dizemos, pim, saímos por ali, pum, procuramos pelo outro lado, somos o dono da equipa. Mas, naqueles tempos, qual libero qual carapuça! A coisa era correr atrás da bola, tê-la, jogar. A mim jogar á bola dava-me uma paz única. E aquela sensação – a mesma, exactamente a mesma – tive-a sempre, até ao dia de hoje: dá-me uma bola e divirto-me e protesto e quero ganhar e quero jogar bem. Dá-me uma bola e deixa-me fazer o que sei, em qualquer sítio. Porque as pessoas, as pessoas são importantes, as pessoas motivam-nos, mas as pessoas não estão dentro de campo. E onde nos divertimos é no campo, com a bola. Isso fazíamos em Fiorito e isso mesmo fiz sempre, estivesse a jogar em Wembley ou no Maracanã, com cem mil pessoas presentes.
... Agora que á tantas complicações com isso das idades, como os brasileiros que põem jogadores mais velhos nos juvenis, devo dizer que comigo se passou a mesma coisa, mas ao contrário. Tinha 12 anos, menos três do que os meus colegas, mas o Francis (treinador) mesmo assim punha-me no banco. Se as coisas corriam mal, obrigava-me a jogar. A primeira vez foi contra o Racing, no campo de Sacachispas. Faltava meia hora, e estávamos empatados zero a zero e não acontecia nada. Mandou-me para o campo fiz 2 golos e ganhamos. O treinador rival, um tal de Palomino que conhecia Francis muito bem, chegou ao pé dele e perguntou.lhe
“Com é possível teres esse puto no banco? Trata bem dele vai ser um génio.” Francis mostrou-lhe os documentos e Palomino não queria acreditar.
Nos Argentinos vivi momentos inesquecíveis. Lembro-me de um antecedente daquele golo da mão de Deus. No parque Saavedra fiz um golo com a mão. Os da outra equipa viram-me e foram reclamar ao árbitro. Ele validou o golo e armou-se uma enorme confusão… Sei que não está certo fazer isso, mas uma coisa é dize-lo a frio e outra, muito diferente, é tomar a decisão no calor do jogo. Queres chegar á bola e a mão vai sozinha. Lembro-me sempre de um árbitro que me anulou um golo com a mão contra o Velez Sarfield, muitos anos depois deste dos Argentinos e muitos anos antes do México 86. Este árbitro aconselhou-me que não o voltasse a fazer. Eu agradeci-lhe mas também lhe disse que não podia prometer nada. Não sei se terá festejado o triunfo contra a Inglaterra...

Campeão de Mundial de Juniores





...Mas voltando ao Mundial de Juniores, os japoneses adoptaram-nos imediatamente. Acharam-nos simpáticos. Para começar, no dia 26 de Agosto, demos cinco á Indonésia – 5 a 0 – em Omiya, onde éramos cabeças de série. A partir dai não paramos. 1 a 0 a Jugoslávia, 4 a 1 a Polónia. Ganhamos o grupo sem cansarmos muito, ou melhor ao primeiro toque. Que bem que fazíamos isso! Eu era o capitão e adorava sê-lo. A verdade é que por isso mesmo, me sentia com mais responsabilidade, mas também havia coisas que não conseguia controlar. Bem, tem a ver com a minha personalidade, com a minha forma de perceber futebol. Como vivia tudo como se tratasse de uma grande desforra, queria jogar sempre, os 90 minutos de todas as partidas. Não queria perder nada. Contra a Argélia, nos quartos de final, não é que o “Flaco” me substituiu?! Mas porquê? Fiquei com uma raiva… Primeiro, não sabia o que fazer, sentei-me no banco com cara de cu. Depois, fui rapidamente para o balneário mudar de roupa. Passei-me e comecei a chorar. Quando terminou o jogo e chegaram os colegas, com outra vitoria de 5 a 0 no bolso, perceberam que tinha acontecido alguma coisa esquesita. Perguntaram-me o que tinha e eu confessei o que acontecera.
Todos tentaram consolar-me, particularmente o “Flaco”, que disse: “ Então Diego, você quer sempre. Já tinha pensado em substituir-te contra a Polónia, não vês que te quero reservar?”. Qual reservar, qual caraças! Eu queria jogar, queria jogar todos os jogos… Naquela noite quase não fui jantar, mas lembrei-me que era capitão e pensei na responsabilidade que tinha. Mas aquela raiva so passou 2 dias depois quando entramos em campo para disputar a semi-final contra o Uruguai. Durou algum tempo, não é? Bem, eu era assim naquela altura.

...No dia 25 de Junho, um ano depois da final do Mundial 78, daquela final onde eu devia ter estado, jogamos uma partida para festejar. A selecçao contra o Resto do Mundo. Fiz-me notar claro. Marquei um golo ao brasileiro Emerson Leão – um dos mais bonitos que me lembro. Chutei com a esquerda e, com muito efeito, de fora da área, cravei-a num canto… Puta que os pariu! Se me tivessem deixado estar naquele campo um ano antes, só um ano antes. Foda-se era assim tão jovem?
Nesse momento, jurei a mim mesmo não faltar nem a um só jogo da selecção, estivesse onde estivesse, custasse o que custasse. Era-me indiferente o rival. Inglaterra em Wembley não era um rival qualquer, claro, e ali estava eu. Perdemos 3 a 1 e fiquei cá com uma vontadinha de marcar-lhes o que teria sido um golaço… Na verdade, o que me aconteceu em Londres no dia 13 de Maio de 1980 serviu-me para aprender e para, seis anos depois, fazer o melhor golo da minha vida. Em Wembley, tambem os fintei todos mas, em vez de fintar tambem o guarda-redes, toquei com a esquerda e… a bola saiu assim rentinha ao poste. O meu irmão, o “Turco”, que tinha sete anos, disse-me que me tinha enganado. No mundial do México, lembrei-me do seu conselho.


Transferência para o Boca





...Bem, o certo é que estávamos neste vai-não-vai quando me telefona Franconieri, um jornalista da “Crónica” : “Olá Diego, então já está feito com o River?” Eu topei-o logo. Queria tirar nabos da púcara. Deixei-o falar um bocado e, então joguei forte: “ Não, não vou assinar porque me chamaram do Boca”. Foi assim, de repente, nem sei bem, foi uma inspiração, uma dessas ideias que só aparecem de vez em quando. A noticia, completamente nova, pareceu-lhe magnifica e aproveitou. Á tarde, saiu a “Crónica” com o titulo enorme na primeira pagina: “ Maradona no Boca”. A operação já estava em marcha, so faltava um promenor: que os dirigentes do Boca topassem… E os dirigentes do Boca toparam. Perguntaram-me se era verdade que realmente queria ir para o Boca ou se era uma jogada para pressionar o River. É fácil imaginar qual foi a minha resposta. Era uma situação estranha. O River com o dinheiro todo e sem a minha vontade; o Boca, sem um centavo e com toda a minha paixão.
No meio deste imbróglio vou com o Argentino Juniors a Mar del Plata jogar a Taça de Ouro… contra o River! Eh, lá! Toda a gente sabia que eu morria pelo Boca e não pararam de me insultar durante o jogo todo: “Maradona filho da puta; a puta que te pariu!”. O tempo todo! Na verdade eu era o tipo mais feliz do mundo. Até esse momento não tinha feito mais nenhuma declaração, mas naquela noite, mal sai do balneário – ainda por cima tínhamos perdido 1 a 0 - quase gritei “Depois destes insultos, não tenho duvidas, quero ir para o Boca”. Caíram-me todos em cima: o velho Próspero Consoli, o presidente do Argentinos, que me adorava, mas que me queria matar. Tinha perdido 13 milhoes de dólares ao River e sabia que eles iam desenbolsa-los. Mas, o Boca? Nada. Que fazer? Como fazer? Começaram as negociações.
  • Excertos tirados do livro "Eu sou El Diego" - A história do Génio de futebol contada na primeira pessoa.

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