23/09/2008

Memórias de Maradona: Parte 2



Histórias de Barcelona


Quando chegara a Barcelona, em Agosto de 1982, o treinador era o alemão Udo Lattek. Mais tarde, quando o despediram e Nunez, o presidente, me sugeriu o nome de Menotti, eu disse-lhe que sim, que era o mais indicado. E ora bem, com ele ganhamos uma Taça do Rei e um campeonato. Esse foi o melhor Barcelona de que fiz parte, táctica e tecnicamente. Muito diferente do primeiro, muito diferente. As diferenças começavam com os métodos de trabalho. Lattek fazia-nos trabalhar com bolas medicinais, de oito quilogramas, de baliza a baliza. Um dia atirei-lhe com uma ao corpo e disse-lhe “ Oiça, mister, oiça uma coisa, por que não faz isto pelo menos uma vez para ver como se sente amanha?”. Aos domingos antes dos primeiros jogos do campeonato, no primeiro domingo bateram á porta “Sim?” respondo meio adormecido e sozinho, porque o Schuster e eu tínhamos um quarto só para nós. “Sim” que horas são, pensei. Olhei para o relógio e vi que eram oito da manhã. “O que foi?” gritei. “O mister diz que tem de se levantar para caminhar”, alguém me diz.
“Diga-lhe que não caminho nada” respondi. Daí a pouco, chega o Lattek. “Aqui faz-se o que eu digo”.
“E eu quero descansar. Depois quem corre sou eu… Estou habituado a isto. Se lhe agrada, óptimo se não…”
“Vai haver castigo”
“Não vai haver castigo nenhum” respondeu o Migueli defendendo-me. “A mim também me chateia isso de caminhar as 8 da manha” acrescentou o Schuster.

...Antes de uma final da Taça do Rei, o presidente veio a uma palestra e disse “Rapaz confiamos muito em si e precisamos de si. Toda a Catalunha está dependente deste jogo precisamos de o ganhar”. Filho da Puta! O Nunez sabia que o Schuster e eu tínhamos um convite do Paul Breitner para o seu jogo de despedida, mesmo antes da final daquela Taça, e não nos queria deixar ir. A hecatombe completa acontece quando me reteve o passaporte. Enchia-me de orgulho que o alemão, o grande Paul Breitner, me tivesse convidado a mim! Para o seu jogo de despedida. Queria ir e já. Já lhe tinha telefonado a dizer que sim que ía. Na segunda-feira exigi o passaporte, mas não mo mandaram. Mais um dia e nada. Fui então lá e pedi para falar com o Nunez. “Não está” disseram-me. Eu tinha visto o carro e o motorista. “Agora não pode atender” disseram-me depois. Veio outro dirigente e disse-me “ Não Dieguito, não podemos to dar, o presidente não quer”. Estávamos na sala dos troféus, no Camp Nou. Disse-lhe: “Então o presidente não quer dar a cara? Vou esperar 5 minutos. Se não me entregam o passaporte, vou partir todos estes troféus um a um”. E mais uma vez o alemão Schuster alinhava: “Dizzz-me quando é que começçççamos”. Agarrei numa Terresa Herrera, belíssima e perguntei pela ultima vez:
- Não me dá o passaporte?
- Não, o presidente diz que não.
Levantei o troféu o mais alto que pude e atirei-o ao chão. Pummmmmmb! Fez cá uma barulheira… “ Tu estas doido”. Disse-me o Schuster. “Estou doido porque não me podem tirar o meu passaporte”. O certo é que me deram o passaporte, mas não nos deixaram ir ao jogo de despedida do Breitner na mesma. Não sei que merda foi, mas havia uma clausula qualquer da federação espenhola. Mas parti-lhes uma Terresa Herrera e devolveram-me o passaporte. Era anticonstitucional ficarem com ele!

...O certo é que a minha passagem por Barcelona acabou por se nefasta. Por causa de uma hepatite, a fractura da perna, pela cidade, pela má relação com Nunez e porque foi em Barcelona que começou a minha relação com a Droga. Mesmo que não venha ao caso com o que estou a contar, tenho que admitir que foi aí que comecei e da pior maneira. Quando entramos na droga, na verdade, queremos dizer que não e acabamos por nos ouvirmos a nós próprios a dizer que sim, porque acreditamos que a vamos controlar e que nos vamos safar… E depois tudo se complica.
A verdade é que já não suportava mais Barcelona. O ultimo jogo, no dia 5 de Maio de 1984, foi um reflexo disso. Foi uma batalha campal contra o Atlético, o nosso arqui-inimigo, na final da Taça do Rei. Perdemos por 1 a 0 e acabei aos pontapés com toda a gente porque nos estavam a ganhar e gozavam-nos. Até que um me fez um manguito, e aí, descambou tudo. Pegamo-nos a porrada no meio do campo. Ainda bem que vieram defender porque senão tinham-me matado.


Histórias de Nápoles



Para mim Nápoles, era algo italiano, como a Pizza, e nada mais. Quando me vieram buscar ao Barcelona continuava sem saber muito mais deles. E a verdade é que me queria ir embora de Espanha, da Catalunha. Para qualquer lado. Perguntam-me agora: Porque não a Juventus, o Milan, o Inter? Porque o único que se preocupou em oferecer-me alguma coisa foi o Nápoles!
No dia da minha apresentação, só para me verem, estavam 80.000 mil pessoas no San Paolo! Foi no dia 5 de Julho de 1984. Disse qualquer coisa que me ensinaram e chutei a bola para as bancadas. Os gajos deliraram e eu sem perceber nada.
Soube então que a equipa tinha estado a lutar contra a descida de divisão nas ultimas 3 temporadas, e que no ultimo campeonato de 83/84 tinha-se safado por um ponto.
Na primeira volta do campeonato 84/85, só fizemos nove pontos. Nove pontos! Fui passar o Natal a Buenos Aires cheio de vergonha.
No regresso em Janeiro jogamos com Udinese no dia dos Reis, fazia um frio do caralho, ganhamos 4-3 e marquei 2 golos. A partir daí fizemos mais pontos na 2ª volta que o Verona, que acabou por se campeão. Ficamos fora da Uefa por 2 pontos. Meti 14 golos, fiquei em 3º lugar na tabela dos goleadores a quatro do Platini. Havia cada menino no campeonato italiano: o próprio Platini, Rummenigge no Inter, Laudrup na Lazio, Zico no Udinese, Sócrates e Passarella na Fiorentina, Falcão e Toninho Cerezo na Roma. Encorajado pelos resultados fui ter com o presidente e disse "compre três ou quatro jogadores que lhe vou indicar e mande outros embora. Se não comece a pensar em vender-me que eu não fico". E assim começamos a construir uma equipa.
No ano seguinte fiz 11 golos, classificamo-nos para a Uefa e acabamos por conseguir o terceiro lugar a 6 pontos da Juve, que ganhou o Scudetto.
Nessa altura o treinador já era Ottavio Bianchi. Bem na verdade os treinadores éramos nós. Mal o vi não gostei dele. Era muito duro, não parecia um latino. Era impossível faze-lo sorrir. Comigo não se metia porque já sabia que o deixava a falar sozinho, era um gajo autoritário mas tinha bastante consideração por mim. Um dia disse-me:
- Quero que faça um exercício, atiro-lhe a bola e você faz um carrinho, para a esquerda e para a direita.
- Não faço isso! Eu não faço carrinhos. A mim, fazem-me os adversários.
- Vamos ter problemas o ano todo.
- Nesse caso vai ter que ir embora.
Embora conseguíssemos bons resultados assim era o nosso relacionamento.
Em 86/87 chegou finalmente o titulo. Ter conseguido o primeiro campeonato para o Nápoles ao fim de 60 anos, para mim foi um triunfo incomparável. Diferente de qualquer outro, inclusive do titulo munidal de 86. Gostava que todos vissem como nos festejamos.
… Surgiu depois o Milan e Berlusconi que queria dar-me o mundo para ir para Milão mas um dia disse-lhe a ele: “Berlusconi, se fecharmos o negocio, temos ambos de sair de Itália. Você vai perder os seus negócios, porque os napolitanos vão chatear-lhe os cornos todos os dias e a mim não me vão deixar viver.”
Renovei pelo Nápoles e a minha vida mudou completamente. Pedia carros que não existiam e, mesmo assim, apareciam. Aconteceu-me com um Mercedez Benz Cabriolet, que nunca chegava a Itália. Atirei a coisa ao presidente e ele telefonou para a Mercedez. Ele aceitava sempre. Passou um tempo, e um dia, Guilhermo chama-me para que fosse á varanda… Olhei para baixo e ali estava o Mercedes, rodeado por todas as pessoas que o tinham trazido, todos os chefes, era o primeiro que entrava em Itália. Desci, tudo muito giro, abraços, beijinhos, pedi a chave e entrei no carro. Toquei em tudo no volante, nos botões, uma maravilha… Num dado momento, olho e vejo as mudanças “É automático” disse-lhes. “Sim Die é automático o ultimo modelo!”. Saí do carro, devolvi as chaves agradeci e foi-me embora para casa: não gosto de carros com mudanças automáticas. Agora que estou a contar isto, percebo o louco que era.
Entretanto, a vida em Nápoles era incrível. Não podia sair nem a esquina porque… gostavam demasiado de mim. Não podia ir comprar um par de sapatos porque ao fim de 5 minutos, estava a montra partida e mil pessoas dentro da sapataria.
Simultaneamente começamos a nossa carreira na Taça Uefa. Eu morria para conseguir um titulo internacional, caralho, era isso que me faltava!
Certo dia surgiu um francês Bernard Tapie que me dava tudo para que fosse para o Marselha. Gostei da ideia, porque era impossível jogar noutro clube de Itália e tencionava um campeonato mais tranquilo como o francês.
Já nas meias finais da Taça Uefa no fim de um jogo em Munique o presidente veio falar comigo e atirou: “Se ganharmos a Taça Uefa eu deixo-te ir para o Marselha” Eu saltei de alegria.
E ganhamos! Para mim era tudo ao mesmo tempo: o primeiro titulo internacional com um clube, o nome do Nápoles na Europa, e o meu passe!
Mas Ferlaino não me quis largar. Ali mesmo, no relvado, aproximou-se quando eu ainda tinha a taça nas mãos e disse-me ao ouvido “Vamos cumprir o contrato não é verdade Diego?” Apeteceu-me partir-lhe a Taça na cabeça mas controlei-me e disse-lhe “Não é o momento presidente, não é o momento. Mas eu cumpri a minha promessa e agora o senhor vai cumprir a sua”. E responde-me ali mesmo no campo “ Não, não… Eu não te vendo, disse-te isso so para te motivar.
E ali começou outra guerra…
  • Excertos tirados do livro "Eu sou El Diego" - A história do Génio de Futebol contada na primeira pessoa.

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